Pesquisa mostra resistência crescente à volta aos escritórios e reacende debate sobre produtividade, legislação e bem-estar no trabalho híbrido e remoto
Uma pesquisa divulgada pelo Times Brasil revelou que 93% dos profissionais brasileiros afirmam que deixariam o emprego se fossem obrigados a voltar ao trabalho presencial em tempo integral. O número escancara uma das maiores tensões do pós-pandemia: a disputa entre empresas que desejam retomar a convivência física e trabalhadores que se adaptaram — e prosperaram — na rotina remota.
Entre os casos que ilustram essa mudança está o de Tanise Serger, 34 anos, moradora de Araçoiaba da Serra (SP). Médica veterinária por formação, ela construiu uma trajetória marcada por reinvenções: “Em 2009, tive uma videolocadora na minha casa. De 2011 a 2014, fiz estágio em clínicas e hospitais veterinários e, também, voluntariados. Em 2014, tive uma empresa de marmita fit, na minha casa. Em 2015 e 2016, a marmitaria virou restaurante, aí não era mais em casa. Em 2017, abri uma confeitaria no porão da minha sogra. Em 2019, a confeitaria foi para uma sala comercial”, relata. “Em 2020, a confeitaria virou uma pizzaria, mas me mudei pra nossa casa, quase no mesmo terreno da pizzaria. De 2020 a 2021, atuei como médica veterinária/responsável técnica de uma indústria. Então, eu pegava estrada por duas horas para atender, uma vez por semana. Desde 2020, trabalho em home office com marketing. Em 2023, saí das atividades da pizzaria e fiquei só no marketing.”
Tanise diz que o formato remoto foi determinante para sua estabilidade profissional e pessoal. “Sou muito a favor do home office, mas não acho que seja pra todo mundo. Se me trancarem numa sala, eu morro; em casa, sou um canhão”, conta. “Meu irmão morou comigo por muito tempo. Ele trabalha com marketing e sempre tinha baixa performance. Agora, ele está híbrido, foi promovido, ganhou aumento, entrega mais, performa melhor. Acho que depende do perfil. Eu não gosto de gente, tenho hiperfoco pra trabalho e sou workaholic. Sou PJ e encaro meu trabalho hoje como entrega cliente x empresa.”
O que diz a lei: o poder do empregador tem limites
Segundo Cecília Chitarrelli Cabral de Araújo, advogada trabalhista e sócia do Caputo, Bastos e Serra Advogados, o home office se consolidou de fato durante a pandemia, mas sua base legal já existia desde a reforma trabalhista de 2017, que inseriu o modelo na CLT (artigos 75-A e seguintes). “O retorno compulsório ao presencial pode ser percebido como uma regressão na autonomia e no equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, diz.
Ela explica que o teletrabalho é uma faculdade do empregador e está inserido dentro do seu poder potestativo, conforme o artigo 75-C, §2º da CLT. “O empregador pode determinar o retorno, respeitando um prazo mínimo de transição de quinze dias. No entanto, esse poder não é absoluto. Ele encontra limites na Constituição e na legislação trabalhista, especialmente quando o retorno compromete a saúde física ou mental do trabalhador”, afirma.
Em casos assim, a advogada diz que “a dispensa pode ser considerada discriminatória ou abusiva, ensejando reintegração, indenização por danos morais e pagamento de salários retroativos”. Por outro lado, quando não há motivo legítimo para recusa, “o funcionário que se negar ao retorno pode sofrer demissão por justa causa, nas hipóteses de indisciplina e insubordinação previstas no art. 482 da CLT”.
Sem diálogo, risco de ações trabalhistas aumenta
Para o também advogado trabalhista Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, exigir a volta ao escritório sem negociação pode gerar passivos judiciais evitáveis. “Embora o empregador detenha o poder diretivo, esse poder encontra limites no princípio da boa-fé e na vedação de alterações contratuais lesivas”, explica.
Segundo ele, se o regime remoto estiver previsto em contrato ou acordo coletivo, “a exigência de retorno sem diálogo prévio pode configurar alteração prejudicial, sujeitando a empresa a demandas trabalhistas”. Nesses casos, o profissional pode “pleitear reversão da dispensa, indenização por danos morais ou até rescisão indireta”.
Corrêa da Veiga defende políticas claras, prazos razoáveis e negociação: “Impor o retorno de forma abrupta, sem justificativa plausível, pode ser interpretado como abuso do poder diretivo ou discriminação”.
Mercado aquecido, mas com poder de compra em queda
A discussão sobre o formato de trabalho ocorre num cenário de desemprego historicamente baixo. O Brasil encerrou 2024 com taxa média de 6,6%, segundo o IBGE, o menor nível já registrado desde o início da série.
Para Luciano Bravo, CVO da Inteligência Comercial e Head de Investimentos no Brasil da Savel Capital Partners, isso não significa que o trabalhador esteja em vantagem. “A taxa está menor, mas o poder de compra também. O salário mínimo contém um déficit enorme, e isso afeta o brasileiro”, afirma.
Ele lembra que, em 2022, cerca de 30% das empresas que adotaram o home office relataram aumento de produtividade, contra 10% que notaram queda. “Acredito demais nesse modelo, e minha empresa funciona assim. Mas é necessário saber trabalhar em home office.”
Bravo destaca que empresas têm apostado em avaliação por entregas, não por horas de tela, e em programas de requalificação. “Vai depender cada vez mais do que o funcionário é capaz de entregar. A ideia é preparar pessoas para novas funções à medida que tarefas repetitivas são automatizadas com IA”, diz.
Híbrido como caminho de equilíbrio
O empresário Sérvulo Mendonça, chairman da Holding SM, defende o modelo híbrido como alternativa mais sustentável. A empresa é especializada em consultoria e gestão empresarial, com atuação em áreas como compliance, controladoria, ESG e BPO financeiro.
“As empresas podem preservar empregos adotando formatos mais flexíveis, que conciliem o convívio presencial com a autonomia do home office”, afirma Mendonça. Segundo ele, é preciso reorganizar estruturas com foco em resultados. “Os escritórios devem ser espaços colaborativos, voltados à troca e à inovação, e não ambientes de controle.”
O executivo destaca ainda a importância de ferramentas tecnológicas e programas de capacitação contínua. “O home office é uma conquista, mas depende de disciplina, clareza de metas e ferramentas eficazes. É um caminho de mão dupla: empresas precisam criar condições estruturadas e transparentes, e os profissionais, desenvolver autogestão”, conclui.









