Alta no transporte de cargas afeta alimentos, eletrônicos e produtos de higiene antes mesmo de chegar ao consumidor.
Quando o preço da gasolina ou do diesel sobe, a reação mais comum é no bolso do motorista. Mas o impacto vai muito além do posto: o custo do frete é uma peça-chave para entender por que produtos do supermercado encarecem mesmo quando a produção não mudou. Transporte rodoviário é responsável por cerca de 65% da logística brasileira, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), e qualquer oscilação nesse setor reflete diretamente nos preços da gôndola.
De acordo com um estudo recente da Fundação Getulio Vargas (FGV), cerca de 30% do valor final de alguns alimentos perecíveis está diretamente ligado ao custo logístico. Em regiões mais distantes dos centros de distribuição, como Norte e Nordeste, essa proporção pode ultrapassar 40%. Isso explica, por exemplo, por que a mesma lata de leite em pó custa mais caro em Belém do que em São Paulo — mesmo sendo produzida no mesmo lugar.
A composição do frete inclui não apenas combustível, mas pedágios, manutenção dos veículos, seguros, salários dos motoristas e taxas regulatórias. Quando o diesel sobe, como ocorreu diversas vezes entre 2022 e 2024, os transportadores repassam esse custo aos embarcadores — que, por sua vez, repassam ao consumidor. Um efeito em cascata.
“Frete é um dos custos mais sensíveis da cadeia de abastecimento. E como o Brasil é dependente do modal rodoviário, a inflação logística afeta o preço de quase tudo”, explicou ao Estadão o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
O problema se agrava pela falta de alternativas viáveis de transporte em larga escala. Malha ferroviária limitada, portos congestionados e o custo elevado do transporte aéreo tornam o sistema ainda mais vulnerável a choques no preço dos combustíveis fósseis. Em momentos de alta demanda, como datas comemorativas ou entressafra, os custos disparam ainda mais.
Para os consumidores, isso significa que mesmo pequenas variações no preço do diesel ou reajustes em pedágios podem se transformar em aumento nos preços do arroz, feijão, papel higiênico e até eletrônicos. A dica de especialistas é prestar atenção ao Índice de Frete da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e ao Índice de Custo Logístico da ABOL (Associação Brasileira de Operadores Logísticos), indicadores que costumam antecipar movimentos de inflação.
Entender o impacto do frete ajuda a decifrar por que a inflação não depende apenas da safra ou do dólar. Às vezes, o maior peso no preço do seu pão é o caminho que ele percorreu até chegar à padaria.