Nova regra tenta conter o uso do fundo como crédito fácil e preservar sua função de segurança financeira e financiamento habitacional
por Geoffrey Scarmelote
O governo federal pretende restringir por dois anos as operações de antecipação do saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A proposta, elaborada pelo Ministério do Trabalho e aprovada pelo Conselho Curador do fundo, estabelece novas regras para limitar o uso do FGTS como linha de crédito. Entre as medidas, estão a carência de 90 dias após a adesão à modalidade, o limite de valores entre R$ 100 e R$ 500 por parcela e a permissão de apenas uma operação por ano.
A iniciativa surge após o avanço expressivo das antecipações desde a criação do saque-aniversário, em 2020. Segundo dados do governo, essas operações já movimentaram cerca de R$ 236 bilhões e se tornaram uma das principais formas de crédito com juros mais baixos do país. Atualmente, 21,5 milhões de trabalhadores aderiram à modalidade — o equivalente a quase metade dos correntistas do FGTS — e cerca de 70% deles fizeram pelo menos uma antecipação. O objetivo, segundo o Ministério, é reduzir a velocidade com que os recursos são retirados do fundo e preservar sua capacidade de financiar programas habitacionais e obras de infraestrutura.
Especialistas defendem equilíbrio entre crédito e proteção
O economista Gean Duarte, especialista em renda fixa da Me Poupe! e CEO da Bixa Rica, avalia que a limitação é uma forma de proteger o trabalhador de decisões impulsivas e preservar o caráter social do FGTS. “O debate sobre a limitação da antecipação do saque-aniversário envolve duas dimensões importantes: proteger o patrimônio do trabalhador e preservar sua liberdade financeira”, diz. Para ele, o fundo tem papel essencial como reserva de emergência. “O FGTS é um colchão de segurança em caso de demissão, especialmente num país em que a maioria dos brasileiros não tem poupança formada”, completa.
Duarte lembra que, embora a antecipação tenha oferecido acesso a crédito com juros menores, muitos brasileiros usaram o dinheiro para consumo imediato. “Na prática, e por falta de educação financeira, parte dos trabalhadores acabou utilizando esse recurso para despesas supérfluas, e não para ações estruturantes, como investir, empreender ou comprar a casa própria”, explica. Segundo ele, a limitação deve reduzir o consumo no curto prazo, mas tende a fortalecer a sustentabilidade financeira das famílias. “Ao restringir o uso antecipado, a medida preserva o poder do FGTS de financiar a casa própria e garante que ele continue sendo uma ferramenta de segurança e construção de patrimônio”, afirma.
Governo tenta frear deterioração do fundo
A advogada Marcelle Lerbak, sócia do escritório Chalfin Goldberg Vainboim Advogados, concorda que o governo tenta frear a deterioração do fundo, mas destaca que a medida não é suficiente. “A limitação tende a reduzir significativamente o ritmo de deterioração do FGTS, embora não seja uma solução definitiva”, avalia. Para ela, as novas regras pretendem transformar a antecipação em uma ferramenta de uso excepcional. “O governo quer que o saque antecipado seja usado apenas em situações de necessidade real de liquidez, como emergências médicas ou quitação de dívidas com juros elevados”, explica.
Marcelle também destaca que há motivações econômicas mais amplas por trás da decisão. “O objetivo declarado é proteger o trabalhador e garantir a sustentabilidade do fundo, mas há também razões macroeconômicas, já que o governo busca preservar os programas habitacionais e de infraestrutura que dependem desses recursos”, diz. A advogada recomenda que, com as novas regras, os trabalhadores planejem com cuidado o uso do saque. “Com apenas uma operação por ano, o ideal é que o empregado pense estrategicamente antes de recorrer à antecipação”, afirma.
Criado em 2019 e implementado em 2020, o saque-aniversário permite ao trabalhador retirar anualmente uma parte do saldo do FGTS no mês de seu aniversário. A adesão é opcional, mas quem opta por essa modalidade perde o direito de sacar o valor total do fundo em caso de demissão sem justa causa, mantendo apenas a multa rescisória de 40%. Nos primeiros anos, a medida foi vista como uma alternativa de renda extra e acesso a crédito mais barato. Com o avanço das antecipações, porém, o governo passou a enxergar o modelo como um risco ao equilíbrio do fundo, que também financia programas como o Minha Casa, Minha Vida e obras de saneamento básico.
Com a restrição por dois anos, o governo espera reduzir a dependência do trabalhador em relação a esse tipo de crédito e reforçar o papel do FGTS como poupança de longo prazo. A mudança, dizem os especialistas, representa um freio de curto prazo no consumo, mas também uma tentativa de devolver ao fundo sua função original: garantir estabilidade e segurança financeira em momentos de vulnerabilidade.