Medida que unificava tributação sobre investimentos e apostas foi retirada de pauta e perdeu validade, abrindo novo buraco nas contas do governo
por Geoffrey Scarmelote
O governo federal sofreu nesta quarta-feira (8) uma derrota significativa no Congresso: a Medida Provisória 1.303, que alterava regras de tributação de aplicações financeiras, fundos e apostas, caducou após ser retirada de pauta na Câmara dos Deputados. Com a decisão, o texto perdeu a validade antes de ser votado, o que representou um revés direto para a equipe econômica do ministro Fernando Haddad.
A MP 1303 havia sido editada em junho com o objetivo de compensar a revogação de um decreto que previa aumento do IOF. Na prática, o governo tentava recompor parte da receita perdida com essa reversão, fixando uma alíquota única de 17,5% para rendimentos de aplicações financeiras, ampliando a tributação de apostas e ajustando a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras. Estimava-se que a medida poderia gerar até R$ 17 bilhões em receitas extras no próximo ano.
No cerne da proposta estava a uniformização da tributação sobre investimentos — incluindo ativos virtuais, como criptoativos — e o fim de isenções que vinham sendo questionadas pela Receita Federal. A equipe econômica defendia que o projeto traria mais justiça tributária, ao mesmo tempo em que ajudaria o governo a cumprir a meta de resultado primário zero em 2025.
Derrota no plenário e impacto imediato nas contas públicas
A base aliada não resistiu à pressão política. Por 251 votos a favor e 193 contra, a Câmara aprovou um requerimento de retirada de pauta apresentado pela oposição. Como a medida precisava ser votada até o fim do dia para não perder validade, o resultado selou sua derrota. Na comissão mista, o texto já havia passado por margem apertada, com 13 votos favoráveis e 12 contrários.
A repercussão foi imediata. Segundo Raul Nogueira, CFO da Valios Capital, a decisão compromete diretamente o equilíbrio das contas públicas. “A não aprovação da MP 1.303 reduz significativamente a capacidade do governo de alcançar a meta de resultado primário zero em 2025, cuja banda de tolerância é de ±0,25% do PIB, algo próximo de R$ 31 bilhões. Sem essas receitas, o déficit volta a rondar R$ 20 a 30 bilhões, comprometendo a credibilidade do arcabouço fiscal”, afirmou.
Para o executivo, insistir em medidas de aumento de arrecadação é um erro estratégico. “O caminho sustentável seria o ajuste de despesas públicas, não a criação ou majoração de tributos que corroem eficiência e competitividade. A MP era viável do ponto de vista contábil, mas nociva do ponto de vista macroeconômico. Receita nova compra tempo — gasto novo cria problema”, completou.
Pressão política e incertezas sobre a meta fiscal
Na avaliação de André Galhardo Fernandes, economista-chefe da Análise Econômica, a rejeição da medida reflete também o clima político em Brasília. “Não se trata apenas de não aceitar mais um imposto, mas de evitar dar uma vitória ao presidente Lula em meio à melhora nas pesquisas de avaliação do governo e ao desgaste que o Congresso sofreu após a PEC da Blindagem”, afirmou.
Galhardo vê um desafio adicional pela frente: “Embora o ministro Haddad diga que há um cardápio de alternativas à MP 1303, aprovar essas opções pode ser mais difícil do que ele imagina. O governo vai ter que lançar mão do que tem feito nos últimos dois anos: bloqueios e contingenciamentos para cumprir o que está previsto no novo arcabouço fiscal.”
Segundo o economista, ainda que a meta deste ano esteja sob controle, o desafio maior virá em 2025. “A derrubada da MP abre caminho para o governo discutir uma alteração da meta fiscal do ano que vem. Mesmo que não haja mudança formal, será necessário congelar gastos de forma mais intensa. É ruim do ponto de vista estrutural, mas cumpre o que está no arcabouço — ainda que de forma paliativa”, disse.
A derrota também reforça a fragilidade política da articulação governista na Câmara. Parlamentares da oposição comemoraram o resultado como um sinal de resistência à escalada tributária, enquanto governistas reconheceram o impacto negativo sobre as contas públicas. Haddad, que chegou a comparecer pessoalmente ao Congresso para defender o texto, deve agora buscar novas fontes de receita e negociar ajustes na meta fiscal com a Junta de Execução Orçamentária.
Com o insucesso da MP 1303, o governo perde uma das principais apostas para reforçar o caixa e vê crescer o risco de descumprimento da meta fiscal de 2025. No curto prazo, o resultado deve se refletir em mais contingenciamentos e bloqueios de emendas, num cenário de crescente desconfiança do mercado quanto à capacidade de controle de gastos públicos.