Conflito entre potências muda rotas do comércio global e abre oportunidades — e riscos — para o Brasil.
A disputa comercial entre Estados Unidos e China, que se intensificou desde o governo Trump e continua sob a gestão de Joe Biden, vem transformando profundamente as cadeias globais de suprimentos. O agronegócio brasileiro, embora geograficamente distante do embate, está diretamente envolvido nesse jogo de xadrez econômico — ora como beneficiário, ora como peça vulnerável.
Durante os anos mais intensos da guerra comercial, a China reduziu significativamente suas importações de produtos agrícolas americanos, como soja, milho e carne suína. Esse movimento abriu espaço para o Brasil ocupar o lugar dos EUA no abastecimento chinês, impulsionando as exportações nacionais. De acordo com dados do Ministério da Agricultura, em 2020 o Brasil chegou a responder por mais de 75% da soja consumida pela China — um recorde histórico.
“A tensão entre as duas maiores economias do mundo cria janelas de oportunidade, mas também nos coloca em situação delicada”, explica André Pessoa, sócio da Agroconsult, em entrevista à Bloomberg. Ele lembra que a dependência do mercado chinês exige cuidados, especialmente num cenário de desaceleração do gigante asiático.
Além da soja, a carne bovina e o algodão também tiveram aumento de participação brasileira no mercado externo. Em contrapartida, o Brasil precisou lidar com gargalos logísticos e maior exigência de cumprimento de padrões sanitários para atender às normas chinesas. “Ganhamos em volume, mas tivemos que nos adaptar em eficiência e rastreabilidade”, destacou a analista Fernanda Consorte, do Banco Ourinvest, ao Valor Econômico.
O cenário se complica ainda mais com a possibilidade de os EUA oferecerem subsídios aos seus produtores ou firmarem novos acordos bilaterais com a China. Nesse caso, o Brasil corre o risco de perder espaço, principalmente se não avançar em acordos comerciais próprios com a Ásia e a Europa.
O agronegócio brasileiro, portanto, precisa se posicionar de forma estratégica: aproveitar as brechas deixadas pelas tensões geopolíticas, mas sem depender exclusivamente delas. A diversificação de mercados, investimento em logística e maior protagonismo diplomático serão cruciais para sustentar o crescimento do setor em um mundo cada vez mais fragmentado comercialmente.